sábado, 24 de setembro de 2011

Sri Prem Baba: Os estágios do desenvolvimento da consciência; As nove matrizes do eu inferior; As distorções dos atributos divinos

Satsang de 29-12-2009. Texto muito bom, recomendo a leitura completa.


Prem Baba: Havia uma pergunta de ontem, certo?

Pergunta: Na prática da auto-observação, identifiquei que o ego sente raiva por não conseguir o que quer. Eu pude notar que, se não alimento a raiva, ela passa. Mas, com o tempo, ela continua voltando. Quero entender melhor essa necessidade do ego se receber atenção.


Prem Baba: Alguém mais sente isso? (risos) Vamos conversar um pouco mais sobre isso.

Vamos iniciar falando um pouco sobre os estágios do desenvolvimento da consciência.
Num primeiro estágio que é conhecido como estado de adormecimento da consciência, a entidade humana em evolução manifesta determinados impulsos negativos. Apesar de odiar estes aspectos em si mesma, ela nada pode fazer a respeito. Quer seja raiva, inveja, ciúme ou qualquer outra manifestação negativa. Nesse estágio, não há diferença entre a entidade humana e aquele impulso que está se manifestando. É como se você fosse tomado pelo impulso. Quem é você? O ciúme ou a raiva, ou a inveja ou a vingança. Nesse estágio de evolução, não se questiona a possibilidade de ser diferente. Você é aquilo e ponto final. Você não gosta de ser assim, mas é. Você luta contra você mesmo, não gosta de ser do jeito que é. Em alguns casos, você nem desgosta de ser assim, não questiona. Por quê? Porque nesse estágio você está completamente identificado com o aspecto psíquico. O que é estar identificado? Você se torna o aspecto. Estar identificado significa tornar-se aquilo. Nesse estágio, você é conduzido por estes impulsos inconscientes e nada pode ser feito a respeito.
O segundo estágio é conhecido como o primeiro do despertar. Nele, você já pode se distanciar suficientemente dos impulsos e perceber que essa não é a sua última realidade. Talvez você não saiba ainda o que fazer com isso, mas já sabe que não é o ciúme, a raiva ou a vingança. Aquilo te toma, mas vai embora e você continua ali. Você começa a ter uma notícia de que você é aquele que está observando o aspecto psicológico ou o impulso que está se manifestando. Então, se chega o ciúme, você pode observá-lo. Você sabe que ele não é a sua última realidade. Daqui a pouco ele vai passar. Quanto mais você pode observar com distanciamento esses impulsos; quanto mais a observação se torna desapegada e desprovida de julgamento, mais rapidamente você chega no terceiro estágio que é quando pode escolher fazer diferente. Por exemplo, você está observando um padrão do orgulho que sempre se manifesta querendo ter a última palavra sobre tudo. Sempre repito esse exemplo porque é pouco comum (risos). Quase ninguém tem esse aspecto do orgulho que é o dono da verdade. Então se você pode observar esse padrão e você já sabe que não é você e que foi acionado por conta de um mecanismo “x” ou “y”, você pode escolher dar a oportunidade para o outro ter a última palavra. O quarto estágio é quando você é banhado pela compreensão que promove a integração do aspecto. Então, ele deixa de agir através de você. A compreensão é um fenômeno que acontece no plano do coração. Esse fenômeno começa na razão, no plano cognitivo e você começa a entender o porquê e faz a relação de causa e efeito. Até que essa compreensão chega no plano do coração e você integra o padrão.


Eu tenho outro exemplo dado por um Lama tibetano do qual não lembro o nome, mas foi muito bonito. Uma pessoa está andando na calçada. Ela está distraída então ela cai num buraco e passa alguns dias nesse buraco até que consegue sair. No outro dia, ela vem na mesma calçada e está distraída, ela cai no mesmo buraco e vai se esforçar para sair. Até que um dia ela está na mesma calçada e, antes de cair no buraco, ela fica mais atenta e se desvia dele. Eu digo que o fenômeno da integração é quando você escolhe passar por outra rua.
Esse processo de integração é sinônimo do que eu venho aqui chamando de purificação e transformação do eu inferior. É quando a energia distorcida na forma da maldade se transforma. É quando o orgulho se transforma em humildade, a luxúria em devoção, o medo em confiança. Esse é um processo de amadurecimento. Esse amadurecimento vai acontecendo com a vida, com as alegrias e tristezas, com as subidas e descidas. Quando você pode, ao longo da jornada, ampliar a percepção e perceber isso com distanciamento.
O que é você identificado com esses impulsos negativos ou destrutivos? Biograficamente isso começa na infância. Todos já me ouviram falar sobre isso. Vamos revisar esse ponto para que eu possa ir um pouquinho além. Faz parte do desenvolvimento da criança a vivência do egoísmo. A criança necessita de amor exclusivo. Ela quer a atenção completa do pai e da mãe somente para ela. E como é impossível ser amado exclusivamente, ela sente raiva. Normalmente como ela é ensinada desde cedo que é errado sentir isso, ela reprime e sente culpa por sentir raiva, por odiar aquele que ela também ama. E essa culpa fermenta e age como uma infecção que vai destruindo todas as possibilidades de felicidade. A primeira sentença que a culpa fala é: “Eu não mereço ser feliz, eu mereço ser castigado porque eu odeio quem eu deveria amar”. E para compensar essa culpa por odiar, ela desenvolve o perfeccionismo. “Se eu for perfeito, serei amado e tudo dará certo”. Só que ela nunca atinge a perfeição e com isso ela desenvolveu um tirano cruel que vai exigir dela a perfeição o tempo todo. Ela viverá um sentimento constante de fracasso, de impotência, de que está faltando alguma coisa porque não pode atingir a meta. Ela está sempre criando uma meta que está além das possibilidades dela. Outra forma de compensar essa impotência é: “Se eu for amado exclusivamente, estarei livre da necessidade de ser perfeito”. Ai o ciclo se fecha. O ciclo vicioso do amor imaturo.


Esse ciclo existe em algum grau em cada alma humana. Por quê? Porque você ficou identificado com essa parcela da sua personalidade que podemos chamar de criança ferida. É uma criança ferida porque tinha uma expectativa que não foi correspondida. Ela queria amor exclusivo e não teve. Sempre que queria alguma coisa que não era atendida era uma prova adicional, era uma prova de que ela estava certa. É uma ferida pela falta de amor. Em alguns casos ela até foi amada, mas o amor exclusivo é impossível. Na grande maioria dos casos, ela não foi amada exclusivamente nem de vez em quando porque seus pais não sabiam nem o que era amor. Estavam identificados com suas crianças feridas, querendo receber amor dos seus filhos e, para evitar a frustração, até saíam de perto. A criança quer e não tem para dar e os pais querendo e tentando não entrar em contato com essa situação e simplesmente se afastando. Todos carregam uma ferida de desamor. É por isso que eu digo que criança ferida é sinônimo daquilo que eu chamo de eu inferior. O eu inferior e suas nove matrizes: gula, preguiça, avareza, inveja, ira, orgulho, luxuria, medo, mentira e todos os artifícios que as matrizes criam com a intenção de receber amor exclusivo. Os artifícios principais são as máscaras ou distorções dos atributos divinos: distorção do amor que é a submissão. Você usa a submissão para tentar tirar o amor do outro. Você se faz de vítima, de impotente, de fracassado. Quando eu falo “você se faz” é porque você cria isso; cria essa situação na sua vida e acredita que é fracassado mesmo. Você realmente acredita que não tem poder. A pessoa que utiliza essa falsa solução para forçar o outro a dar amor exclusivo é aquela pessoa que fica constantemente ameaçando o outro: “Se você não me amar eu pulo a janela, eu tomo veneno, eu vou me matar de alguma maneira”. Ela tem que mostrar para outro o quanto sofre e o quanto o outro é responsável pelo seu sofrimento. Quer provar para o outro que ele é responsável pelo fato de estar miserável e infeliz. Essa é uma forma de forçar o outro a te amar.


A distorção do poder é a agressividade e se manifesta no seu aspecto mais primitivo como a violência em si e muitas vezes o aspecto sutil que é a indiferença; é você querer mostrar para o outro que não precisa de ninguém, que é absolutamente independente. “Eu sou auto-suficiente”. Normalmente esse padrão tem raiva do submisso. Não o suporta, mas geralmente se casam. Essa é a dinâmica.


Outra distorção é a da serenidade que é o retraimento. É o famoso ego espiritual. Eu estou acima de tudo isso, eu sou superior. Na verdade, essa pessoa não sente. Em alguns casos ela se acha superior, em outros casos ela nem pensa a respeito disso simplesmente porque ela não se mistura, é impermeável. Ela está completamente isolada no delírio de superioridade.


Todas essas nove matrizes, com essas três máscaras e suas centenas de desdobramentos, é o que chamamos de criança ferida ou criança egoísta destrutiva. É uma instância psíquica com a qual você tem estado identificado.
Porque você, de vez em quando, percebe a raiva e ela passa, mas volta na raiva porque você não é atendido na sua necessidade de amor exclusivo? Porque você está identificado com essa criança. Essa criança tem a necessidade de fazer este teatro sempre. Ela carrega uma esperança mágica de que desta vez vai ser diferente por isso ela vai reeditando essa peça. É assim que a pessoa reedita a ferida infantil na idade adulta.


Como você faz isso? Na escolha dos parceiros e dos relacionamentos; é querendo se auto-afirmar. Mas, inicia a reedição no jeito que você escolhe seus parceiros e com as pessoas com quem você se relaciona. Quanto maior o vínculo emocional, obviamente mais poder para reeditar a ferida infantil a relação vai ter. Você escolhe a dedo a pessoa para se relacionar. Por mais que você jure que não foi você que escolheu, eu digo que sim, você não sabe como, mas foi você quem escolheu. Não importa se é seu namorado ou sua namorada, seu vizinho, empregada, seu chefe... Há arranjos que a consciência humana não consegue notar como foram feitos. Você escolheu aquela pessoa que tem o melhor e o pior dos seus pais. Sem perceber você age de uma forma tal que aciona o pior do pai e da mãe para poder ativar a ferida infantil, para reeditar a cena. Por causa da esperança mágica de ser exclusivamente amado. E o que você tem feito é se debruçar sobre o erro do outro porque está identificado com a sua criança ferida que quer amor exclusivo. Você quer ser amado por isso quer que o outro te veja. Você cega para aquilo que está fazendo e que acorda o pior no outro. O processo do despertar começa quando você pode assumir a responsabilidade. Quando, ao invés de olhar a montanha de defeitos do outro, você olha para o grão de defeito em você. Assim a relação se torna um excelente material de escola.
Hoje mesmo uma pessoa estava me dizendo: “Então será que não existe amor, tudo é projeção?”. Eu pergunto: Existe amor? Sim, existe amor. Mas o que é o amor? É a expressão do seu real ser, mas se ele está encoberto por todas essas camadas, vai se manifestar raramente. Quando elas cochilam, o amor verdadeiro se manifesta. Nós estamos trabalhando para dissolver essas camadas de proteção que você acredita ser você para poder manifestar seu verdadeiro ser que é amor.


Pergunta: Existe a possibilidade da criança já trazer a necessidade de amor exclusivo de outras vidas?


Prem baba: Sim. Todas as imagens não dissolvidas numa outra vida são reeditadas nessa. As imagens são reencarnantes. Por conta da lei de afinidade vibracional, você vai desembocar numa família que vai te dar a chance de reviver essas imagens não dissolvidas.


Mas porque você continua desejoso de amor exclusivo mesmo tendo já crescido, sendo um homem, uma mulher? Porque você continua com os jogos de manipulação para forçar o outro a te amar exclusivamente? Amor forçado não é amor. Quando você força o outro e o outro te dá atenção, isso te dá raiva. Porque você quer ser amado de graça. Quanto mais você força o outro, mais você vai se vingar dele depois. Mas, por que você continua reeditando essa miséria a custo de tanto sofrimento?


Nós até aqui, fizemos uma radiografia do inferno. (risos) Não é? Mas, por que você continua no inferno, namorando o capeta? Por quê? Porque você tem prazer é um dos pontos. Mas, também pelo desejo obstinado de modificar os pais. E porque você está obstinado em querer mudá-los? Porque ainda acredita que é uma criança.


É isso que estou querendo que você compreenda quando falo do processo de identificação. Em algumas áreas você está no primeiro estágio de desenvolvimento da consciência e realmente acredita que é essa criança e quer forçar o pai, o vizinho, o cachorro, todo mundo a dar o amor que quer. “Eu quelo a bolachinha de molango!” Mas, se você não recebe, faz uma bagunça, arruma uma guerra. O que é a bolachinha de molango? Muitas vezes é somente um olhar. Se você não recebe esse olhar, fica com raiva e passa muito tempo da sua vida lidando com as conseqüências, mas não vai até a causa. E qual é a causa? A sua identificação com a criança ferida.


Entender isso intelectualmente não vai ajudá-lo em nada. O que vai ajudar é identificar essa identificação. É conseguir fotografar essa criança, esse bebê chorão dentro de você. Quando puder perceber que você é aquele que está observando o bebê, mas não é o bebê, você terá achado a saída e terá chegado no segundo estágio e logo estará no terceiro que é escolher fazer diferente. Então, se estiver podendo fazer diferente, logo você integra o aspecto; logo é banhado pela graça. O que a graça proporciona? Libertação. Mas, como ela acontece? Quando você se lembra de quem é você, quando você tem o insight de que você é a fonte de amor e não uma cuia vazia que tem que ser preenchida o tempo todo. Ou melhor, uma cuia furada, sem fundo. (risos)


Então, a resposta para a sua questão eu diria que está na identificação. Com quem você se identifica? Depois de passar por vidas de auto-investigação, de processos terapêuticos... Talvez ainda esteja no mesmo ponto, querendo amor exclusivo. Talvez você já possa entender causa e efeito, ou seja, o porquê da criança agir de determinada maneira, mas continua querendo amor exclusivo.
Eu já me debrucei muito sobre esse assunto. A resposta está na questão da identificação. A saída do sofrimento está na mudança do foco da identidade. Você é aquele que identifica. Você é aquele que está observando a criança e não a criança.


E como você chega até você? Nesse observador que pode identificar? Se auto-observando. Se sentando, alinhando sua coluna, fechando seus olhos e observando os pensamentos, as emoções e as sensações. É dedicando-se à prática da auto-observação. A meditação é um fruto dessa prática. Meditar é um fenômeno que talvez um dia possa lhe acontecer. É quando a graça te pega e você se lembra de si mesmo; é quando os pensamentos se aquietam e você experiencia a conexão com o todo.


Então, se num primeiro momento você se dedica à prática da auto-observação com regularidade, de forma disciplinada, num segundo momento vai poder levar a prática para os seu dia a dia até que possa estar se observando o tempo todo. A auto-observação é a prática que te leva à lembrança de si mesmo.
E quem é você? Você é a presença divina. A presença divina é a fonte de amor. Você simplesmente dá, sem querer absolutamente nada em troca. Se você está querendo em troca é porque você esta identificado com essa criança.
Como eu tenho dito, nessa fase, pode ser bom deixar a criança se expressar; deixar ela gritar, mas desde que o observador esteja acordado. Você observa a criança reclamar. Essa é a grande chave. Você, que é o observador, identifica o eu inferior e se identifica com o eu superior e se dissolve no nele.
Nesta fase é importante fortalecer o observador. Se você está aqui, poderemos avançar para o próximo estágio: como sustentar o prazer? Primeiramente você tem que ter desenvolvido um centro. Deve haver uma testemunha acordada para isso. Porque, se você está identificado com a criança ferida, não há chance, haverá apenas uma alegria breve, por ter recebido um olhar. Essa alegria logo perderá para o sofrimento.

Comentário: Essa testemunha está com você há muito tempo. Eu percebo que, quando você tem um arrependimento, quem volta é a testemunha que estava lá. As vezes você pode ter um insight e quem traz esse insight é a sua testemunha que estava lá mesmo quando você estava tomado pela ignorância. Essa é a prova de que existe o eu superior e que ele está junto.


Prem Baba: Sim, por isso utilizamos a palavra testemunha. Você, a testemunha, está sempre presente.

Um comentário:

  1. Maravilhoso, muito bem explicado. Aceitar que somos imperfeitos, aprender a observar nossa imperfeição e poder escolher fazer diferente. Este é o principal motivo pelo qual estamos encarnados neste planeta.

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