sábado, 21 de julho de 2012

PATERNIDADE E MATERNIDADE: PAPEL OU FUNÇÃO?

PATERNIDADE E MATERNIDADE: PAPEL OU FUNÇÃO?
Muitos adultos interpretam papéis quando falam com os filhos
pequenos. Usam palavras e sons idiotas. Tratam a criança com superioridade,
e não de igual para igual. O fato de que, temporariamente, sabemos mais ou
somos maiores não quer dizer que a criança não seja igual a nós. A maioria
dos adultos, em determinada altura da vida, encontra-se no papel de pai ou
mãe, que é universal. A questão da maior importância é: somos capazes de
desempenhar essa função e de executá-la bem Bem nos identificarmos, isto é,
sem que ela se torne um papel? Parte da função necessária de ser pai ou mãe é
atender as necessidades da criança, impedindo que ela corra perigo. E, às
vezes, dizer-lhe o que fazer e o que não fazer. No entanto, quando ser pai ou
mãe se torna uma identidade, ou seja, sempre que nossa percepção do eu é,
totalmente ou em grande parte, extraída disso, a função ganha uma ênfase
exagerada e nos domina. Prover as necessidades dos filhos assume proporções
excessivas e os torna mimados, enquanto impedi-los de correr perigo se
transforma em superproteção e interfere na necessidade que eles sentem de
explorar o mundo e experimentar coisas novas por si mesmos.
Dizer às crianças o que fazer e o que não fazer passa a ser controlar, reprimir.
Além disso, a identidade que interpreta um papel permanece atuante por
um longo tempo, mesmo depois que essas funções em particular já não são
mais necessárias. Assim, pais e mães não conseguem deixar de ser pais até
mesmo quando o filho já é adulto. Eles não são capazes de se desvincular da
necessidade de serem imprescindíveis a ele. Ainda que o filho já tenha 40 anos
de idade, não conseguem abandonar a idéia "eu sei o que é melhor para você".
O papel de pai e mãe continua a ser interpretado compulsivamente, por isso
não existe um relacionamento autêntico.
Os pais se definem por esse papel e,de forma inconsciente, têm medo de perder a identidade se o abandonarem.

Se seu desejo de controlar ou influenciar as ações do filho adulto é
contrariado - como costuma acontecer -, eles começam a criticar ou mostrar
sua desaprovação ou tentam fazer com que o filho se sinta culpado, tudo
numa tentativa não consciente de preservar seu papel, sua identidade. A
impressão é de que estão preocupados com o filho, e eles próprios acreditam
nisso, mas, na verdade, sua intenção é apenas conservar seu papel-identidade.
Todas as motivações egóicas são voltadas para a autovalorização e o interesse
do próprio eu - e algumas vezes elas se disfarçam de forma muito inteligente,
até mesmo para a pessoa em quem o ego está atuando.          

Os pais que se identificam com esse papel também podem tentar se
tornar mais completos por meio dos filhos. Assim, a necessidade que o ego
tem de manipular os outros para que satisfaçam seu contínuo sentimento de
carência é dirigida a eles. Se a maioria dos pressupostos e das motivações
inconscientes por trás da compulsão dos pais de manipular os filhos se
tornasse consciente e fosse dita, provavelmente incluiria algumas mensagens
como estas, senão todas elas: "Quero que você alcance o que eu nunca
consegui. Desejo que você seja alguém aos olhos do mundo para que eu
também possa ser alguém por seu intermédio. Não me decepcione. Eu me
sacrifiquei tanto por você. O objetivo da minha desaprovação em relação a
você é fazê-lo se sentir tão culpado e constrangido que, finalmente, atenda
meus desejos. Sem contar que sei o que é melhor para você. Eu o amo e
continuarei amá-lo se você fizer o que sei que é certo para sua vida."

Quando fazemos com que essas motivações se tornem conscientes,
constatamos na hora quanto elas são absurdas. O ego que está por trás delas
fica visível, assim como seu distúrbio. Alguns pais com quem falei
compreenderam imediatamente: "Meu Deus, era isso o que eu vinha
fazendo?" Depois que vemos o que estamos fazendo ou fizemos, percebemos
também a futilidade de tudo isso, e esse padrão inconsciente chega ao fim por
si mesmo. A consciência é o maior agente para a mudança.

Se seus pais estão agindo assim com você, não lhes diga que eles estão
inconscientes e que são subjugados pelo ego. É provável que essa afirmação
os deixe ainda mais inconscientes, pois o ego adotará uma postura defensiva.
Basta que você reconheça que isso é o ego dentro deles e não o que eles são.
Os padrões egóicos, até mesmo os mais antigos, algumas vezes se dissolvem
de uma forma quase milagrosa quando não nos opomos a eles internamente.
A oposição lhes dá uma força renovada.
No entanto, ainda que nãodesapareçam, você será capaz de aceitar o comportamento dos seus pais com compaixão, sem a necessidade de reagir a ele, isto é, sem personalizá-lo.
Tome consciência também dos pressupostos ou das expectativas
inconscientes que estão por trás das suas antigas e habituais reações a seus
pais. "Eles deveriam aprovar o que eu faço. Tinham que me entender e me
aceitar como sou." Verdade? Por quê? O fato é que eles não aceitam porque
não conseguem. Sua consciência está em evolução, ainda não deu o salto
quântico para o nível de estar ciente. Eles ainda não são capazes de abandonar
a identificação com seu papel. E você dirá: "Sim, mas não posso me sentir
feliz e à vontade com quem eu sou, a menos que tenha a aprovação e a
compreensão deles." Verdade? Que diferença faz a aprovação ou a
desaprovação deles em relação a quem você é? Todos esses pressupostos não
analisados causam um grande número de emoções negativas, uma significativa
quantidade de infelicidade desnecessária.

Fique alerta. Será que alguns dos pensamentos que passam pela sua
cabeça são a voz interiorizada do seu pai ou da sua mãe dizendo talvez algo
parecido com "Você não é bom o bastante, nunca chegará a ser alguma coisa"
ou fazendo outro julgamento mental? Se você estiver consciente, será capaz
de reconhecer essa voz pelo que ela é: um velho pensamento condicionado
pelo passado. Além disso, não precisará mais acreditar em todos os seus
pensamentos. Verá que se trata de algo antigo, nada mais. Consciência
significa presença, e apenas ela pode dissolver o passado inconsciente dentro
de nós.

"Se você pensa que é tão iluminado, passe uma semana com seu pais",
disse o mestre espiritual Ram Dass. Esse é um bom conselho. O
relacionamento com os pais não só é a interação primordial que dá o tom para
todas as interações subseqüentes como também se constitui num bom teste
para nosso grau grau de presença. Quanto maior for o passado compartilhado
existente num relacionamento, mais presentes precisamos estar. Caso
contrário, seremos forçados a reviver o passado repetidas vezes.                                       

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-Eckhart Tolle, em O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA

Eckhart destrinchando tudo e todos.